*A apuração desta matéria foi concluída na última semana de setembro e a 12ª edição do JF foi fechada na primeira quinzena do mês de outubro. Uma reportagem sobre o mesmo tema também foi publicada na edição do jornal Atarde do dia 11/12/2007.

Por que esta fila não anda?
João Eça
Antonio Salles Junior

Calor, sono, fome, cansaço e dificuldades de ficar em pé devido ao excesso de peso. Ás 6 horas da manhã do dia 27 de setembro, uma segunda-feira, todas estas sensações estavam estampadas na face da autônoma Ailza Maria Santos Silveira, 30 anos e 135 quilos, cadastrada desde junho no Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES), conhecido como Hospital das Clínicas, no bairro do Canela. Ela faz parte da extensa fila de pacientes com obesidade mórbida que são atendidos gratuitamente na unidade. Devido ao seu peso, a cirurgia de redução do estômago é indicada. Porém, segundo previsões médi-

cas, é melhor Ailza esquecer esta hipótese. A demanda pelo procedimento é imensa no Hospital das Clínicas. No máximo cinco operações são realizadas por mês. A prioridade é dos pacientes com altíssimos riscos de morte. O caso de Ailza, portanto, será tratado com reeducação alimentar e medicamentos.

Este mesmo drama é vivenciado pelo cabeleireiro Jocevaldo Ferreira Soares, 31 anos, há mais de três lutando para reduzir o seu peso de 130 quilos através da cirurgia bariátrica. Assim como Ailza e Soares, somente no Hospital das Clínicas, existem hoje mais de 200 pacientes passando pela mesma angústia. Em Salvador, além do HUPES, o Hospital Espanhol, na Barra, realiza o procedimento através do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em média, no Hospital das Clínicas, cinco novos cadastramentos para os pacientes com obesidade mórbida são realizados às segundas-feiras, no Ambulatório de Endocrinologia, e mais cinco às quintas-feiras, no Ambulatório de Cirurgia Geral. Para garantir a vaga na triagem, é necessário chegar por volta das cinco horas da manhã.

De acordo com o professor titular de cirurgia digestiva da Faculdade de Medicina (FAMED) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e chefe do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas, Oddone Braghirolli Neto, é desanimadora a jornada dos seus pacientes devido à grande demora desde o instante em que eles conseguem marcar uma consulta até o dia em que deitam na mesa de cirurgia. A única saída, segundo ele, é a profissionalização do hospital. “Esta situação só poderá ser solucionada quando for criado, de fato e de direito, um ambulatório específico de cirurgia bariátrica, com o HUPES sendo transformado em um centro de referência nesta especialidade na Bahia, ficando capacitado para atender a pacientes que demandam uma equipe multidisciplinar, composta por cirurgiões, endocrinologistas, psicólogos e nutricionistas, além dos cardiologistas e pneumologistas”.

O professor aponta as medidas primordiais a serem tomadas com o intuito de reduzir a fila dos que aguardam pela cirurgia. “Atingir a meta de oito operações semanais é o meu maior objetivo, mas tudo depende da estruturação do serviço, com a criação de novos leitos, novas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), enfermarias e centros cirúrgicos. Isto seria a adequação física, sendo também necessário vultosos investimentos em recursos humanos, devendo ocorrer a contratação e a remuneração adequada destes profissionais.”

A criação de um Ambulatório específico de Cirurgia Bariátrica no Hospital das Clínicas, conforme defendido pelo médico, além de ampliar os recursos financeiros repassados pelo SUS, centralizaria a equipe médica em um único espaço, ao contrário do que ocorre atualmente, quando os médicos dos diversos ambulatórios não contam com um centro para avaliar conjuntamente cada um dos seus pacientes, muitos destes vindos do interior da Bahia e também de outros Estados. Um projeto como este, segundo Oddone, “já existe, mas está em trâmite há três anos no Ministério da Saúde”.

Até o fechamento desta edição, a Assessoria de Comunicação do Hospital Espanhol não informou a quantidade de cirurgias bariátricas realizadas mensalmente, o número de pacientes aguardando na fila e como é realizada a triagem nesta unidade de saúde.

Cirurgia não resolve tudo

A gastroplastia redutora ou cirurgia bariátrica, popularmente conhecida como cirurgia de redução do estômago, é indicada quando se esgotam todas as outras medidas para eliminar o excesso de gordura de um obeso, como reeducação alimentar e atividades físicas.

Segundo o endocrinologista Osmário Salles, “a obesidade é uma doença genética, psíquica e ambiental”. Ele observa que os pacientes com indicação para cirurgia bariátrica têm de ser submetidos a um intenso pré-operatório, para estabilizar os quadros de diabetes, hipertensão, colesterol e problemas cardiorespiratórios.

A redução do estômago por si só não garante a solução de todos os problemas do obeso. O acompanhamento dos recém-operados é feito por mais de cinco anos, devido às mudanças profundas provocadas no organismo, necessitando da constante ajuda de psicólogos e nutricionistas. O professor Oddone Braghirolli Neto ressalta que a cirurgia não reduz o apetite, e muitas vezes os pacientes tentam comer com a mesma voracidade de antes, o que causa enjôos e vômitos, reações bastante comuns durante o período de adaptação.

O cardiologista Marcos Araújo alerta para a importância da prevenção, com o controle da balança sendo feito desde cedo, pois “quanto mais jovem é o paciente, maiores são as chances de mudanças nos hábitos alimentares”.

Entretanto, no próprio Hospital das Clínicas é cada vez maior o número de crianças acompanhadas clinicamente em função de quadros de obesidade.

Sacrifício recompensado

A dona-de-casa Ivanildes Pereira Silva, 39 anos, pesava exatos 220 quilos quando iniciou o seu tratamento no Hospital das Clínicas, em maio deste ano. Quando conseguiu marcar uma consulta, demorou quase dois meses para ser atendida. “Senti que realmente valeu a pena esperar, pois tive todo o apoio e carinho dos médicos. Muitos deles, inclusive, me telefonam frequentemente”, conta Ivanildes. Além dos medicamentos e da reeducação alimentar, este incentivo foi fundamental para que ela conseguisse perder 40 quilos. “Agora sou a próxima da fila. O peso máximo suportado pela mesa do centro cirúrgico é 180 quilos, e agora, depois de muito sacrifício, felizmente eu atingi esta meta.”

Ivanildes bateu em muitas portas desde que desembarcou em Salvador, vinda de Boa Vista, capital do estado de Roraima. Lá não existe tratamento cirúrgico para os pacientes com obesidade mórbida. Na capital baiana, buscou, sem sucesso, encontrar ajuda no Hospital Espanhol, Hospital Roberto Santos, no Cabula e até na própria Secretaria de Saúde do Estado (SESAB). O sofrimento em cada tentativa frustrada se somava à saudade dos seus quatro filhos e também do marido, que ficaram em Boa Vista. Sem falar nos preconceitos e comentários jocosos dos quais era alvo toda vez que saia à rua.

A sua estada em Salvador é custeada com os recursos de benefícios do SUS, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, principalmente, pela “ajuda dos vários amigos conquistados aqui”.


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Jornal da Facom - Ufba 2007